Coleccionador

Era um homem que colecionava virgens ....
as virgens terras de uma natureza que sempre sonhou
e as crianças nas noites frias e longas
imóveis e despenteadas repetiam histórias
de uma noite seguinte cantando:
.............que virgem a tua imaginação
.............e porque amou o cisne
.............
meu pai ... porque esperas na noite
.............a vontade de amar a tua história.
E o homem ardia de novo .... semeado de lareiras
como só os filhos compreendem ....

contando e recontando
esquecendo os frios pés da madrugada que se avizinha
e dizem que os matos e as luas
se quedavam ...
escutando as simples histórias dos homems
e as crianças abanavam as cabecitas temendo:
............. que sonhos os teus meu pai .... e
............. como gostávamos de ser as princesas
............. do teu canto ... mas pai
............. nunca acabes as tuas histórias nestas noites
............. imensas
............. para amanhã mais um dia prometer
............. nos teus olhos
E o homem e o pai
os dois ao mesmo tempo inclinavam a cabeça
beijando as suas maõs preciosas
partindo sozinho para um sonho
que nunca há-de esgotar .... para as filhas do seu corpo.



SM

história de um principe perfeito ... desfeito

mar e mar ... mar azul ... tão azul
... revolto, revoltado
nas vagas de minhas viagens
principe perfeito ... quem o sentiu !
ainda nos meus olhos agigantado ...

... e quando uma terrível névoa que nos impediu na barra
e um novo e desconhecido frio chegou
por entranhas minhas em terras de gentes tão difíceis
dum Portugal ainda genuíno...
muito lutei ... míudo do bairro ... míudo do rio
como depressa te obrigaram ...

aos meus olhos de criança ainda sentida
ainda me lembro duma despedida ...
guardo essa imagem dos outros lá fora
e eu que partia ... duma vez
em tempos de sempre ...

nos alentejos dos meus idos
para uma África minha... em olhos
escondidos ... mar azul e revolto ... de revoltado
mar gigante em mim...

por isso em escolas sofria ... nunca entenderam ...
porque meus olhos no exterior para sempre ficaram
e só minha mãe com amor via aquele espaço
... e na liberdade me deixou
crescer ... crescer por espaços meus

ainda hoje ... longe dos tormentos ....
meus olhos fogem para esse lugar
.... e por isso me dizem por vezes,
pai onde estás novamente, pai !
aqui ... filha...estou aqui.

SM
Poesia interior posterior

as pessoas num pobre país ....tornam-se pobres pessoas ?

como se de uma dor funda ...
de uma presença contínua ....
em persistência ao longo de uma vida
a par de outras tantas coisas

mas esta dor ... como me preocupa ...
por ser tão funda na origem ...
muitas palavras e ideias a acompanham na incerteza
e quando pensamos que há um fim
algo nos envolve de novo
e nem sempre as forças nos deixam
ir mais longe na causa do seu entendimento ...
pelas pessoas ou tão sómente em mim
logo o sonho rapidamente se desvanece ...

em mim gesta um certo desânimo ... e isso doi-me profundamente ...
houvera uma vida ... encontrada
no desencontro do dia a dia...
especialmente no desengano das pessoas
e nesta mecânica do ritmo avalassador de trabalhos sem fim ...

desculpem-me o desabafo neste desânimo ...
na espera de um novo ciclo
mais do mesmo ...muito me conheço
venha o igual de forma diferente
pobre país que em nós mais pobres nos faz ainda mais
nesta dor de saber das outras realidades ...
que para além dele existem ... correntes do partir
fado das nossas gentes ... amarras duma vida...
velhos do restelo ...
desmemoriados no tempo das necessidades
Bastava um sorriso ... só isso e uma esperança continuada.

Não vedes por vezes nos olhos as pessoas
em desespero ... então meu amigo ...
estamos passando ao lado deste país ...
... a minha dor nesses momentos chora os pequenos
que se dizem grandes ...
Ah! como conheço os homens!!!
e os apanho ... na sua fragilidade ...
mas também no seu mais puro egoísmo ...

Não me preocupo por vir a ser enganado ....
mas detesto o engano no atalho
esta dor funda de um país que não quer crescer ...
e assim pequenos nos mantêm ...

SM, interior posterior

mão perfeita


conter o canto da alma
na acalmia de outras vidas vivendo


... como?¿, se em águas revoltas navego
insano rebelde
inquieta missão
quanto na vida esforçado
como se ela ... pedra na mão perfeita
assim me faz, logo desfaz ... senhora
dos grandes destinos ...
roda da fortuna ...mulher feminina
incerta nos desejos
.

.... como?¿, se sempre amado na vida
indomado me torno
ainda amo o fulgor das fonte eternas ...
ainda amo a juventude em terras
das gentes distantes ...
partir no sonho duma irrealidade
quanta liberdade ... quanta força aí se depôe....
diria pois a essa senhora ... que a paciência
me descobre ... na espera duma aparente serenidade,
insana senhora dona de meus destinos.

SM
poesia interior posterior

por quem me proibiu uma vez de amar mais ...


A todas as outras a quem não amei
a todas aquelas que sempre ficou alguma coisa
..............................sempre faltou alguma coisa
pelas maõs pelos corpos pelos olhos
.......................... .. por quem eu passei
entregas intrigas e caricias
rolando por ravinas
.............. d'erva alta
sonhos verdes e imaginação
assim perdidos nos tempos
as praias os campos e o despudor
o desejo e a intensidade
o carinho ....correndo ....navegando
olhos dos meus olhos

SM
poesia interior anterior

reter

como desejava eu amar ...como desejava eu
que o amor me amasse
como desejava eu sentir tuas suas minhas nossas
como desejava ver-nos
................................assim como quem têm
amores belos loucas manhãs
................................assim como quem têm
forças imensas intensas vontades
................................assim como quem têm
como desejava ver-nos
como se o amor é que nos tivesse de amar
como se o amor é que nos tivesse
sentir tuas suas minhas nossas
................................assim como quem têm
como se a uma mulher como se a uma amante
asim como quem têm
................................a quem não sei ....


ar que se move para dentro
perigos ao sonhar uma realidade que se faz sonho.

SM
interior anterior

Desvario impensável

chorei por uma dor há muito adormecida
tão esquecida que ela estava ...
que outra já não imaginava
e deixei-me ir no tempo
...lá para o fundo
caindo, caindo lentamente ... num movimento embalado
até mais não me lembrar dos fundos abismos
e neste momento aindo caindo vou ... até que a força me eleve
e de novo em mim se acredite ....
para que mais vez volte a despertar....


SM
interior posterior
Em honra a Humberto Silveira Menezes Fernandes

Protesto

Nas tardes do Alentejo que eu adoro,
nas campinas de pasto sem amanho,
o pastor ergue o seu cantar sonoro,
e vai seguindo atrás de seu rebanho.

Alguém chamou a um poeta estranho
(a fama não lhe invejo mas deploro)
rei das imagens no sabor de antanho,
pastor de rimas no vibrar sonoro.

Pois lendo embora as tuas obras-primas,
rei das imagens e pastor de rimas,
eu tenho sempre a firme convicção

de quanto vale mais esse pastor,
rei das campinas de silêncio e cor,
que tu, pobre pastor duma ilusão!



Humberto da Silveira Fernandes

SM

...para um inicio do meu entendimento poético

Vagueio no ténue rodopio
sossêgo ....e veias
tempo e sabor a colorir.
Sinto o que pinto
nesta anestesia que amordaça ....
noltalgia, vida (cores ....)
Na inconsciência de querer amar
companhia e morna ternura
a quem devo dar?


tu que me escutas
não te esqueças ... que não sou rio
nem ave nem aragem
que ao poisares os olhos
os lanças sobre um corpo .... porque o que eu penso
é uma outra forma de possuir o meu corpo ..........


anos de 1980


SM
interior anterior